Estética do absurdo!
A alta temporada dos hits de verão mostra que tudo depende do poder que o artista tem para ser risível e se tornar chacota
Julio Maria - O Estado de S.Paulo
26 de fevereiro de 2011 | 0h 00
26 de fevereiro de 2011 | 0h 00
As nuvens ainda parecem um sonho para Reginho. Afinal, nem ele entende como sua história mudou tanto da noite para o dia, enquanto dormia. Reginaldo Alves da Silva, 39 anos, pernambucano, sempre tocou teclado em bodegas do Recife. Ganhava R$ 100 por show e vendia seus CDs de forró a R$ 5. Isso até uma bendita turma de moleques colocar no YouTube um vídeo que fizeram para sua música Minha Mulher Não Deixa Não, um mantra quebra-pedra: "Vou não, quero não, posso não, minha mulher não deixa não, quero não, posso não". Os meninos aparecem em uma praia, dançando feitos boneco de Olinda. Sem querer nada, conseguiram tudo. O vídeo passou a ser visitado com furor e Reginho acordou com o filho chamando: "Pai, acorda. O senhor está na internet".
PAULO VITOR/AE
Reginho: nem acidente com ônibus
parou seu bonde
O cachê de R$ 100 virou R$ 50 mil. Seu cenário ficou chique. Sua música é uma praga. Reginho já foi ao Domingão do Faustão e gravou propaganda para o Ministério da Saúde sobre camisinha feminina. O lado amargo da fama veio junto. Quando voltava do Rio de Janeiro para Recife, o ônibus do artista capotou. Houve alguns feridos leves mas o baixista, Lenine Castro, não resistiu. Nem a perda do amigo parou o trem de Reginho. "Apesar do ocorrido, ele continua cumprindo a agenda", informou um comunicado do cantor.
Ainda desnorteado, com tudo acontecendo ao mesmo tempo, Reginho é um típico "web hitmaker" de verão - uma classe que surge no silêncio do YouTube, pula para a vida real quando acumula 1 milhão de visualizações (no caso de Reginho, foram mais de 7 milhões) e, em sua breve existência, pode fazer fortuna.
Salvador, o grande centro exportador desses hits, tem usado a internet para criar fenômenos. Depois de três temporadas pulando sem sair do lugar, o grupo Levanóiz, tal como Reginho, fez do risível sua tábua de salvação. Seus integrantes se vestiram de super-heróis (um Super-homem magricela no meio de duas Mulheres Maravilhas) e gravaram a música Liga da Justiça (Foge Mulher Maravilha). Ainda sem grandes pretensões, fizeram um vídeo que misturava heróis animados com a cantoria dos dançarinos. Primeiro, eram 5 mil acessos por dia. Em 20 dias, já eram 500 mil visualizações. Em um mês, o clipe passava de 1 milhão de visitas. Ivete Sangalo incorporou a música ao seu repertório e, em mais uma demonstração de que as regras do jogo estão mudando, Liga da Justiça passou a tocar nas rádios de Salvador sem que ninguém tivesse pagado "jabá". "Os ouvintes começaram a ligar pedindo a música", diz Sandro Melo, empresário do grupo. Os shows estão na casa dos 20 por mês e o cachê, que era de R$ 8 mil, pulou para R$ 40 mil. Mais de dez grupos de pagode na Bahia tentaram subir no mesmo bonde se vestindo de She-Rá, He-Man, Aquaman, Homem Aranha e Batman & Robin. Até agora, nenhum conseguiu ir tão longe.
A estética do ridículo, provam os hitmakers, tem força. A estratégia é ir às raias do absurdo para se tornar um clássico viral. Léo Santana, do grupo Parangolé, conhecido de outros carnavais, faz barulho com Tchubirabirom, uma música com alto poder hipnótico sobre massas. "Olha pra frente, pra frente, segura a cabeça, Tchubirabirom", diz a letra. A cada "tchubirabirom", a cabeça de quem dança recebe uma espécie de descarga elétrica. "Tchubirabirom pode ser tudo que você quiser, tipo: "Olha só o tchubirabirom dela!", examina Leo. O vídeo no YouTube, que ensina o passo a passo da dança, já passa de 1,6 milhão de visitas. "Existe a atração pelo ridículo. E ridículo aqui não é o mesmo que ruim, mas o mesmo que risível. Isso é virótico. A partir do momento em que você me conta que isso existe, eu não posso não ver mais", diz o filósofo e professor da PUC-SP, Mário Sérgio Cortella. Ao ver o hit de Reginho, Minha Mulher Não Deixa Não, a pedido da reportagem, Cortella percebe um ciclo: "No primeiro momento, eu estranho. No segundo, me divirto. No terceiro, gosto. No quarto, não quero mais. Ou seja, aquilo não virou um clássico pra mim."
A inversão de valores no entretenimento é um fato quando as gravadoras, em declínio, aprendem a agir com a guerrilha dos independentes. Justin Bieber, bem mais do que um hitmaker de verão, funciona bem para exemplificar como se criam os ídolos da nova era. A estratégia de marketing usada pela Universal Music brasileira serviu de exemplo para a companhia em outros países. O maior cantor teen que apareceu em 2010, vendedor de 300 mil cópias no ano, começou com um trabalho dirigido apenas para as redes sociais. "Nós temos hoje uma equipe só para explorar os meios virtuais. Depois de colocá-lo nas redes, levamos ele para tocar nas rádios e aparecer nas TVs. Alimentamos a chama na web e depois a brasa na TV e nas rádios", diz o presidente da companhia, José Eboli.
Xand Avião, do grupo Aviões do Forró, já fez sucesso com música até mesmo sem letra. À frente de um dos grupos mais prósperos da Bahia, ele diz que nem tudo obedece a cálculos matemáticos. "Ninguém mais sabe onde está um sucesso. Pode estar em estúdio com alta tecnologia ou no meio da rua. Um cara inventa um refrão e pronto." Ou quase pronto. Quanto mais potencial esse cara tiver para o ridículo, mais perto estará da glória.
O clip que deu origem a tudo!
Confira a letra da música!
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